quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

A RODA DA VIDA - Bruna L.F. Quítalo





















 
A Vida é uma sequência de diversas experiências, de múltiplas vivências. Nós somos envoltos em imensuráveis forças, energias, regidos por pensamentos, sentimentos, desejos, vontades, acções, que se desvelam através da nossa própria consciência, psique esta que se encontra fragmentada, uma vez que todos os seres são influídos pelo exterior.


Afinal, quem efectivamente somos nós e qual a nossa genuína essência? A Vida é uma prossecução de participações do nosso próprio espírito na escalada evolutiva.

Englobamos assim legado espiritual, intelectual e afectivo ao longo dos copiosos milénios e das inúmeras reencarnações, em transição com a dimensão terrestre e espiritual, nos consecutivos nascimentos e desenlaces, tal é o ciclo evolutivo. Deste modo, o espírito traz uma amplitude intelectual e moral milenar, que o encaminha ao seu próprio aperfeiçoamento e progresso.

Todos nós independentemente dos nossos procedimentos, renascemos para evolução, buscando desta forma educar-se, suplantando suas próprias máculas. Eis a Roda da Vida na sua génese, na sua construção e programação divinamente orquestrada.

5 POEMAS de Victor Manuel B. Domingos























SEM PÃO
Tristonho, cabisbaixo
Na vida sem sentido,
Segue, rua abaixo,
Um homem perdido

Quem é o homem
Que vai pela rua?
Que mágoas o consomem?
Será a sua vida como a tua?

O Homem que passa
Pela rua, sem alento
É a imagem da ameaça
Da vida sem alimento.

É um chefe de família
Que teve uma quezília
Com o patrão
Por isso perdeu o pão.

Quem pensa nele?
Na sua família?
Fatos a mostrar a pele…
Só por uma quezília!

Estômagos vazios de pão.
Sem calor, sem fé.
A família cai na podridão,
Deita-se sem pão, levanta-se sem café.

NO REFEITÓRIO
I
Há um certo furriel,
Que em certos dias,
Faz um grande cartel
Com as suas manias.

II
Quando há “rancho melhorado”
Lá anda ele todo atarefado,
Com o pessoal todo contado,
Não vão lá comer mais um bocado…

III
Mas o que eu gostava de ver,
Era que esse furriel
Fizesse o mesmo papel
Quando não presta o comer.

IV
Que ele fizesse barulho
E se armasse em esquisito
Quando se come feijão com gorgulho
E “Sopa de Mosquito”.

É A VEZ DA POESIA
É a vez da poesia
Vamos então cantar
A vida, amor, alegria
Ou ler, ouvir, declamar.

Vamos cantar versos à lua
Ao sol, ao vento ao mar
Que a poesia está na rua
Com o Povo a respirar.

Poesia de liberdade,
De Sofia, Pessoa ou Ary
Que diga a verdade
Hoje, agora, aqui.

POMBO
Sou um pombo lisboeta
Que voa pela cidade,
Ouvindo muita treta
E alguma verdade.

Voando pelos telhados
Vi vampiros sanguinários,
Tipos maus e falhados
Prenderem operários.

E pelas minhas voltas,
S’o vento era de feição,
Olhei muitas revoltas
E vi a Revolução.

Vi a alegria do Povo,
A esperança que prometia
Um mundo novo
E ‘inda não é dia

A festa foi linda,
A Liberdade ficou.
Muito falta ainda
Ou alguém se enganou?

DOIS PÁSSAROS A NAMORAR
Agora q’estava aqui
Pensativo e a olhar
Eis então o que eu vi:
Dois pássaros a namorar.

Iam de ramo em ramo
Contentes a chilrear
A dizer “eu te amo”.
E isso eu quero cantar.

Lembrei-me d’outra era
Do nosso amor antigo
Era tempo de Primavera
E namorava contigo.

Mas que bela recordação
Aqueles pardais trouxeram:
O bater do coração
E os beijos q’se deram.

5 POEMAS de Alice Gomes























HOJE O AMOR
Escrito em 2012

Hoje o Amor está no ar!
Amem e sejam felizes,
vale, a pena!
Sem Amor,
a Vida, é como comida insonsa,
sem sabor,
sem sentido.
É bom Amar e ser Amado.
O Amor é como o Ópio
Entorpece-nos
Enlouquece-nos
Mas… tranquiliza-nos.
Obrigada Amor.
Tu existes!

VALEU A PENA
Escrito em 2013

A noite caiu.
Com ela há sombras na escuridão.
Não sei se tenho tempo, para fazer tudo o que gostaria.
Se tal não for possível, uma coisa é certa.
O caminho que percorri até aqui, valeu a pena
Por vezes tortuoso, por vezes airoso, por vezes choroso, por vezes risonho…
Mas,
Valeu a Pena!

AS VEZES - EU
Escrito em 2013

Às vezes digo palavras sem sentido
Outras vezes, faço “coisas” sem pensar!
Às vezes erro
Outras vezes, acerto.
Às vezes busco a perfeição
Outras vezes sou imperfeita por defeito
Às vezes sou uma pessoa adorável
Outras vezes nem por isso!
Às vezes me importo com tudo e todos
Outras vezes, me desligo do Mundo!
Às vezes digo o que penso
Outras vezes, calo e nada digo!
Às vezes queria ser diferente
Outras vezes, penso que se o fosse não seria EU!
Às vezes com tudo,
Outras vezes com nada!
Assim sou EU,
Às vezes!

GOSTO DE TI
Escrito em 2018

Gosto de ti
Do teu olhar, meigo e sereno
Do teu sorriso, franco e aberto
Da tu voz terna e envolvente
Do teu andar, elegante mas não pedante.
Tudo em ti é perfeito.
Tão perfeito, que até dói!
Não uma dor insuportável
Mas sim uma dor perfeita
(se é que isso existe!)
Tão perfeita, como tu!
Tu és o meu sonho
E eu, simplesmente
Gosto de ti.
Porque sim!

ESCREVER UM POEMA
Escrito em 2019

Gostava de escrever um Poema.
Desses que os Poetas escrevem, com palavras bonitas, que obedecem à rima, à métrica, com todos os pontos nos “is”.
Pego uma folha de papel em branco e numa caneta, sim, porque eu gosto de escrever no papel.
Sento-me à minha secretária, e…nada!
Estou vazia de palavras, de palavras com sentido e palavras sem sentido.
Sim, porque o sentido faz bem às palavras, e um Poema requer palavras com sentido.
Palavras, como,
Amor
Amizade
Paixão
Felicidade
Mas também, descontentamento!
E, quando olho à minha volta e vejo tanta mediocridade, tanta desumanidade, tanta maldade, tanta vaidade, tanta falta de dignidade, numa sociedade que ser quer justa e digna,
Só consigo dizer,
Basta!

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A LÍNGUA DE NHEM - Cecília Meireles





















 
Havia uma velhinha
que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.

E estava sempre em casa
a boa velhinha
resmungando sozinha:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

O gato que dormia
no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também

a miar nessa língua
e se ela resmungava,
o gatinho a acompanhava:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

Depois veio o cachorro
da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha
de cá, de lá, de além,

e todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

De modo que a velhinha
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,

ficou toda contente,
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

5 POEMAS de Arquimedes da Silva Santos

























CANTAR DE BERÇO, POEMA V
in: VOZ VELADA

Água do Tejo em tabuleiros geométricos
pelos depósitos, comportas às salinas
em quente Agosto lembra neve nas colinas
que os rodos raspam de rectângulos simétricos

espelhos quebradiços das crostas de sódio
onde o sol reverbera e ventos evaporam
precipitam também daqueles que se exploram as gotas de suor e as lágrimas de ódio


ECO NO FUTURO
in: CAMPOS CATIVOS

Lutemos!
- Mais que nunca é preciso firmeza
Para dizer o que somos!
Geração do sacrifício
Que quer unir os homens
Num abraço fraternal...

Meus irmãos é preciso vencer!
- Mais que nunca é preciso coragem
Para afirmar o que queremos!
Que a justiça pelo amor
Viva em todos
Que a verdade pela Beleza
Se reúna no festim comum
Desta Vida breve...

E pela luta e pela vitória
Nossas vozes jovens
De troça gritarão ao céu:
- Somos livres pela fé comum
Que une todos os seres!
E pelo Amor e Beleza e Verdade
A nossa voz ecoa no futuro
Cantando o poema sublime
Que na luta a Justiça
Fez os homens IRMÃOS!
 
RESSONÂNCIAS

Ressonâncias

roncos de ondas
Roucas
furnas ocas

côncavas

longas
memórias de mar

vórtices
de sons
pavilhões de búzios

distâncias

QUIMERAS GALOPANTES

Quimeras galopantes
Sol em nuvens
de plantas tagânicas

Campinas de mitomaquias
centaurus minotauros
às raias de Lezírias

charnecas
chamejantes

AVE DA RIBEIRA

Ave da ribeira
vieira Viera

na Ladeira
filhos parira
laçara savara lançara

a hora a hora
a labutar
de mar se afogara
tágide trágica

Ó MEU CRAVINHO VERMELHO - Mário Piçarra
























Nascido em Lisboa, em 1947, Mário Piçarra fez parte em 1965 dos Chinchilas, com o guitarrista Phil Mendrix (1947-2018), e de 1969 a 1971 integrou o Coro da Academia de Amadores de Música, sob a direcção de Fernando Lopes-Graça.

Em 1969 editou o primeiro disco em nome próprio, o EP Pastoral, com uma canção de sua autoria (Borboleta preta). Nele musicou também poemas de José Gomes Ferreira (Pastoral), Sophia de Mello Breyner Andresen (o conhecido Porque, aqui musicado pela primeira vez) e Glória de Sant'Anna (Poema do mar). A direcção musical foi de José Cid, e no disco participaram António Moniz Pereira e Carlos Zíngaro.
Seguiu-se em 1970 um outro EP, Calçada de Carriche, onde, além da canção-título (com poema de António Gedeão), incluiu duas canções suas, Elegia e Romance das três barcas, e ainda Primavera, um tema do cancioneiro popular para o qual compôs novo arranjo.

Entre 1972 e a queda da ditadura, Mário Piçarra viveu exilado em França. Só voltou aos discos após o 25 de Abril de 1974.

Em 1977 integrou o grupo Terra a Terra (do qual fez também parte Ana Faria), que se estreou com o álbum Dançando, Pulirando, colectânea de canções populares recolhidas no Alentejo, na Beira Baixa e em Trás-os-Montes. Sucederam-lhe Pelo Toque da Viola (1981), Estilhaços (1983), este a partir de recolhas feitas por Margot Dias, César Neves, Gualdino Campos, Fernando Lopes-Graça e Michel Giacometti, e do qual faz parte um tema da autoria de Mário Piçarra, Vitral) e Lá Vai Jeremias (1984), tendo o grupo terminado a actividade em meados de 1987.

Mário Piçarra licenciou-se em História, na Universidade Lusíada, e fez uma pós-graduação em História Diplomática Contemporânea. O CD Claridade, recém-editado, e que marcava o seu regresso às canções e aos discos, inclui temas como Aves do paraíso, Claridade, Guitarras da Mouraria, Amantes improváveis, Maré de liberdade, Fidjo Maguado, Os artistas (no palco da vida).​

in: https://www.publico.pt




BORDEL DE LÚCIFER - Charles Sangnoir























CHARLES SANGNOIR

Charles Sangnoir é conhecido pelo seu reportório intenso, denso e muitas vezes ligado ao imaginário boémio, decadente e esotérico. Enquanto compositor, letrista e produtor trabalhou já com dezenas de bandas que vão desde o folk ao heavy metal, e os seus trabalhos a solo ou com bandas são escutados e seguidos em todo o mundo.

Autores compositores favoritos:
Serge Gainsbourg; Adolfo Luxúria Canibal; Mário Cesariny.

Estilos musicais favoritos:
Pós-punk; Alternativo.

O maior evento da vida profissional até hoje:
Mais de 80 mil visualizações no youtube, colaboração com diversos artistas internacionais.

Hobbies:
Culinária; Pintura.


BORDEL DO LÚCIFER

ESTA NOITE EU VOU SAIR ESTA NOITE EU VOU VOAR
VOU MORRER DE TANTO RIR VOU CORRER E VOU SALTAR
ENXOFRE NA MINHA PELE VOU FAZER O MEU PAPEL
DAR AO CORPO O QUE ELE QUER NO BORDEL DE LÚCIFER
VINAGRE EM FORMA DE MEL VAIS FAZER O TEU PAPEL
PURITANO OU INFIEL NO TEU BORDEL DE LÚCIFER
ESTA NOITE EU VOU FUGIR ESTA NOITE EU VOU DANÇAR
VOU BEBER ATÉ CAIR SEDUZIR E FORNICAR

VINAGRE EM FORMA DE MEL VAIS FAZER O TEU PAPEL
SEJAS HOMEM OU MULHER NO BORDEL DE LÚCIFER

VIAGENS NA MINHA TERRA - António Nobre























Às vezes, passo horas inteiras
Olhos fitos nestas Traseiras,
Sonhando o tempo que lá vai;
E jornadeio em fantasia
Essas jornadas que eu fazia
Ao velho Douro, mais meu Pai.

Que pitoresca era a jornada!
Logo, ao subir da madrugada,
Prontos os dois para partir:
- Adeus! adeus! é curta a ausência,
Adeus! - rodava a diligência
Com campainhas a tinir!

E, dia e noite, aurora a aurora,
Por essa doida terra fora,
Cheia de Cor, de Luz, de Som,
Habituado à minha alcova
Em tudo eu via coisa nova,
Que bom era, meu Deus! que bom!

Moinhos ao vento! Eiras! Solares!
Antepassados! Rios! Luares!
Tudo isso eu guardo, aqui ficou:
ó paisagem etérea e doce,
Depois do Ventre que me trouxe
A ti devo eu tudo que soul

No arame oscilante do Fio,
Amavam (era o mês do cio)
Lavandiscas e tentilhões...
Águas do rio vão passando
Muito mansinhas, mas, chegando
Ao Mar, transformam-se em leões!

Ao Sol, fulgura o Oiro dos milhos!
Os lavradores mai-los filhos
A terra estrumam, e depois
Os bois atrelam ao arado
E ouve-se além, no descampado
Num ímpeto, aos berros: - Eh! bois!

E, enquanto a velha mala-posta,
A custo vai subindo a encosta
Em mira ao lar dos meus Avós,
Os aldeãos, de longe, alerta,
Olham pasmados, boca aberta...
A gente segue e deixa-os sós.

Que pena faz ver os que ficam!
Pobres, humildes, não implicam,
Tiram com respeito o chapéu:
Outros, passando a nosso lado,
Diziam: "Deus seja louvado!"
"Louvado sejal" dizia eu.

E, meiga, tombava a tardinha...
No chão, jogando a vermelhinha,
Outros vejo a discutir.
Carpiam, místicas, as fontes...
Água fria de Trás-os-Montes
Que faz sede só de se ouvir!

E, na subida de Novelas,
O rubro e gordo Cabanelas
Dava-me as guias para a mão:
Isso... queriam os cavalos!
Que eu não podia chicoteá-los...
Era uma dor de coração.

Depois, cansados da viagem,
Repoisávamos na estalagem
(Que era em Casais, mesmo ao dobrar... )
Vinha a Sra Ana das Dores
"Que hão de querer os meus Senhores?
Há pão e carne para assar..."

Oh! ingênuas mesas, honradas!
Toalhas brancas, marmeladas,
Vinho virgem no copo a rir...
O cuco da sala, cantando. . .
(Mas o Cabanelas, entrando,
Vendo a hora: "É preciso partir").

Caía a noite. Eu ia fora,
Vendo uma estrela que lá mora,
No Firmamento português:
E ela traçava-me o meu fado
"Serás Poeta e desgraçado!"
Assim se disse, assim se fez.

Meu pobre Infante, em que cismavas,
Por que é que os olhos profundavas
No Céu sem-par do teu País?
Ias, talvez, moço troveiro,
A cismar num amor primeiro:
Por primeiro, logo infeliz...

E o carro ia aos solavancos.
Os passageiros, todos brancos,
Ressonavam nos seus gabões:
E eu ia alerta, olhando a estrada,
Que em certo sítio, na Trovoada,
Costumavam sair ladrões.

Ladrões! Ó sonho! Ó maravilha!
Fazer parte duma quadrilha,
Rondar, à Lua, entre pinhais!
Ser Capitão! trazer pistolas,
Mas não roubando, - dando esmolas
Dependuradas dos punhais ...

E a mala-posta ia indo, ia indo.
o luar, cada vez mais lindo,
Caía em lágrimas, - e, enfim,
Tão pontual, às onze e meia,
Entrava, soberba, na aldeia
Cheia de guizos, tlim, tlim, tlim!

Lá vejo ainda a nossa Casa
Toda de lume, cor de brasa,
Altiva, entre árvores, tão só!
Lá se abrem os portões gradeados,
Lá vêm com velas os criados,
Lá vem, sorrindo, a minha Avó.

E então, Jesus! quantos abraços!
- Qu'é dos teus olhos, dos teus braços,
Valha-me Deus! como ele vem!
E admirada, com as mãos juntas,
Toda me enchia de perguntas,
Como se eu viesse de Betlém!

- E os teus estudos, tens-me andado?
Tomara eu ver-te formado!
Livre de Coimbra, minha flor!
Mas vens tão magro, tão sumido...
Trazes tu no peito escondido,
E que eu não saiba, algum amor?

No entanto entrava no meu quarto:
Tudo tão bom, tudo tão farto!
Que leito aquele! e a água, Jesus!
E os lençóis! rico cheiro a linho!
- Vá, dorme, que vens cansadinho.
Não adormeças com a luz!

E eu deitava-me, mudo e triste.
(- Reza também o Terço, ouviste?)
Versos, bailando dentro em mim...
Não tinha tempo de ir na sala,
De novo: - Apaga a luz! - Que rala!
Descansa, minha Avó, que sim!

Ora, às ocultas, eu trazia
No seio, um livro e lia, lia,
Garrett da minha paixão...
Daí a pouco a mesma reza:
- Não vás dormir de luz acesa,
Apaga a luz! ... (E eu ainda... não!)

E continuava, lendo, lendo...
O dia vinha já rompendo,
De novo: - Já dormes, diz?
- Bff!... e dormia com a idéia
Naquela tia Dorotéia,
De que fala Júlio Dinis.

Ó Portugal da minha infância,
Não sei que é, amo-te a distância,
Amo-te mais, quando estou só...
Qual de vós não teve na Vida
Uma jornada parecida,
Ou assim, como eu, uma Avó?

11 POEMAS de António Henriques
























  1. ABISMO
  2. FOLHA EM BRANCO
  3. GRASSA O FOGO DE NOVO
  4. TÃO PERTO, MAS TÃO LONGE
  5. SENHORA
  6. MISTÉRIOS DO AMOR
  7. O MELRO
  8. ALENTEJO
  9. 1º DE MAIO
  10. GENTIL DAMA
  11. ONDE ESTÁS ABRIL

ABISMO
Existe um abismo bem profundo,
Onde devia haver paz e amor,
O mal foi-se espalhando pelo mundo,
Por quem falava em nome do Senhor.

Homens de Fé, que apenas homens são!
Abusando de tantos inocentes,
Não merecem desculpa nem perdão,
Não temiam a Deus, nem eram crentes.

Vergonha, dita agora em lamentos,
Quando tudo encobriram, no passado,
Não apagam as dores e os tormentos,
Nem da Igreja, lavam seu pecado.

Deverão ser julgados seus autores,
P`la justiça da terra, não de Deus
E na prisão pagarem p´los horrores,
Infligidos, por esses actos seus.

Se não mostrar firmeza, que se veja
E justiça que seja, exemplar,
Ficará mal, então, a Santa Igreja,
Muitos, já não se irão, nela, fiar.

FOLHA EM BRANCO
Folha em branco, palavras esperando,
O que a inspiração, lá deposita
E branca já não é, pois está escrita,
Com letras que vão nela, despontando.

E lentamente, assim, nasce o poema,
Pela mão do poeta, inspirado,
Na folha vai ficando então, gravado,
O que a alma lhe dita, eleito, o tema.

Assim a poesia, vai, correndo,
Tal como um cavalo à desfilada,
Liberta, espontânea, grandiosa.

A folha que era branca, escurecendo,
Com a composição, nela plasmada,
Findando-se o poema, em verso ou prosa.

GRASSA O FOGO DE NOVO
Grassa o fogo de novo em Portugal,
Em intensa fornalha, infernal,
Que tudo à volta, está a devorar,
No Algarve, de novo, nessa terra,
Tem de negro, pintada, sua serra;
Sem previsão haver, para o parar.

Tais locais, sem acessos serem feitos,
A tais calamidades estão sujeitos,
Por culpa de tardarem decisões,
Que dormem mansamente nas gavetas
E depois nas TVS, dizem-se tretas,
Mas quem sofre são as populações.

Arriscam os bombeiros suas vidas
E pilotos também, nas investidas,
Que fazem para o fogo combater,
Mas antes de um fogo se activar,
As soluções se devem encontrar,
Para tal tragédia não acontecer.

Tantas leis feitas, mas pouco cumpridas,
Podem causar de novo, perder vidas,
Por tudo se deixar ao Deus dará.
Devem-se sim, os fogos prevenir,
Com medidas, sem aos custos fugir,
Porque no fim, bem mais, se pagará.

TÃO PERTO, MAS TÃO LONGE
Tão perto, mas tão longe, me ficaram,
Tantos, a quem tratava por amigo,
Mas indiferentes foram p´ra comigo,
Apoio, precisei, poucos ligaram.

Fiquei sabendo assim, quem de mim gosta
E quem me chama amigo, mas fingindo,
Quem me abraça, mas, nada está sentindo,
Deles, meu distanciamento, é a resposta.

Mas doutros, sei que a sua amizade,
É pura, é sincera, verdadeira;
Por eles sempre terei muita afeição.

Aqueles que me ignoraram, na verdade,
Em convivência breve e passageira,
Não me ocupam lugar, no coração.

SENHORA
Este poema que foi vencedor ex-aqueo, no desafio da Alencriativos de tema: "Camões Poeta de Portugal".

Guardais senhora assim tão recatado,
Formoso amor a mim, por vós sentido,
Na luz do vosso olhar, anda espelhado,
O que no coração, trazeis escondido,
Quero por esse amor, ser encontrado,
Andando eu por ele louco e perdido;
Se a paixão que sentis, não é pequena,
Porque me consentis, tão dura pena.

E sois apenas vós, somente aquela,
Que ao meu coração, suas leis, dita,
A que de formosura, é a mais bela,
De todas as mulheres, a mais bonita,
Níveo rosto, beleza tão singela,
Que serdes Afrodite, se acredita;
Se grande, é o amor que me negais,
Aquele que vos dedico é muito mais.

Num forte vendaval de sentimentos,
Anda meu coração, desamparado,
Escutai os triste ais e os lamentos,
Daquele que está por vós, enamorado;
E só alcanço, ver-vos, por momentos,
Ficando meu viver, mais desgraçado;
Andando desse amor, eu tão carente,
No meu peito, a paixão, é fogo ardente.

Porque tal sentimento anda fechado,
O tempo veloz passa, sem parar
E sou por vós um triste apaixonado,
Que só vosso favor, quer alcançar,
Andando num viver tão desolado,
Imenso é meu amor, posso jurar;
Porque guardais assim, paixão sentida,
Se sois mais, para mim, que a própria vida.

MISTÉRIOS DO AMOR
- De me querer tão mal, já nem me quero -
- E não quero, a quem, me quer a mim -
- Mas não me quer também, quem tanto quero -
Em todo o lado vejo, gente assim.

Porquê, tanto querer, quem não nos quer,
E quem tanto nos quer, nós não queremos,
Causando dor no homem e mulher,
Mistérios do amor, que não sabemos.

Mas não se quer viver, também, a vida,
Sem nela haver alguém, por nós, amado,
Viver só por viver, não faz sentido.

Assim, a quem tiver, pessoa querida,
Que amamos e nos ama, ao nosso lado,
Viver, já não será, tempo perdido.

O MELRO
Junto da minha casa, há um jardim,
Que fica nas traseiras, situado,
Onde um melro, procura, atarefado,
Comida, numa busca sem ter fim.

E todo o santo-dia é sempre assim,
Com ímpeto, catando, o relvado
Soltando o seu canto, bem trinado,
Que julgo, dedicado, só a mim.

E penso que feliz, deverá ser,
Vivendo em liberdade e com prazer,
Cantando suas belas melodias.

Não sabe a criatura -Que é de Deus-
Que vai assim, com os trinados seus,
Quebrando, a apatia, dos meus dias.

ALENTEJO
Belas espigas doiradas,
Ao vento se baloiçando
Nas planícies encantadas,
Delas me estou recordando.

Mas ceifeiras já não vejo,
O louro trigo ceifando
Nos campos do Alentejo,
Lindas canções, entoando.

Já não vejo os alvos montes
Muitos deles foram morrendo,
Mas teus ribeiros e fontes,
Já com água, vão, correndo.


Vejo a tua boa gente
Que foi tão sacrificada,
Resistindo, bravamente,
Lutando p´la terra amada.

Alentejo, Alentejo,
Terra dura, quente, calma,
Quando em meu olhar te vejo,
A saudade, em mim se acalma.

Sei que hoje estás diferente,
Do que era habitual,
Mas serás sempre, atraente,
Como tu não há igual.

Tens o gado nas pastagens,
Tens sementeiras e flores
E tão bonitas paisagens,
O Cante e os seus cantores.

Tens tapetes afamados,
Azeite, queijos, enchidos,
Tens doces apreciados
E tens rios conhecidos.

Também tens as praias belas
Por muitos, frequentadas,
Olarias e capelas,
Em toda a parte afamadas.

E tens belos monumentos
Recortes da nossa historia,
Relembrando os momentos,
De nosso orgulho e glória.

Tens poetas e cantores
Com fama no mundo inteiro,
Com músicos e pintores,
De valor bem verdadeiro.

Excelente gastronomia
E uns bons vinhos também,
És no País, mais-valia,
A todos recebes bem.

Por lá tenho alguns amigos
Que guardo no coração,
Uns novos, outros antigos,
Tenho por eles, gratidão.

Neste poema, o desejo,
Foi o de te enaltecer,
Gosto de ti Alentejo,
Sem alentejano, eu ser.

1º DE MAIO
Neste dia, definido,
Ser o do trabalhador,
Estou muito desiludido,
Até com algum temor.

De ver como está o Mundo
Só com desumanidade
E com ódio bem profundo,
Andar cheio de maldade.

Quem trabalha é explorado
Por muito empregador,
A um escravo comparado,
Sem ninguém lhe dar valor.

E tanta é a ganância
Que existe no mundo inteiro,
Que só se dá importância,
Ao dinheiro, só, dinheiro!

Ver tanta gente também
Curvada ao vil metal,
Viver sua vida bem
E a tantos causar mal!

Ver escalar a violência
E guerras por todo o lado,
Nos homens tanta demência,
Com o terror instalado.

Sem lugar para o amor,
Tantas vidas se ceifando,
Tanto, mas tanto, horror,
Sabe-se lá até quando.

Ver mortas tantas crianças,
Outras em sexo, exploradas,
Matando suas esperanças,
Barbaramente, tratadas.

E ver muitos dirigentes
Que países governando,
Felizes, vivem contentes,
Com o que se está passando.

A eles nada importando
Que o Mundo ande louco,
Nem sequer nisso pensando,
Somente um pouco, um pouco.

Tanta gente nada, tendo,
E gente tendo demais,
É coisa que não entendo
Nestes tempos actuais.

Com o que se desperdiça
No nosso Mundo inteiro,
Se acaso houvesse justiça,
P´ra tudo havia dinheiro.

O que se gasta na guerra
Deveria ser usado,
Para fazer desta Terra,
Um lugar abençoado.

Deus assim o desejou,
Por isso ela nos deu,
Mas o homem alterou,
Esse bom desejo, Seu.

E assim à sua maneira,
Para os outros dominar,
Tem feito grossa asneira,
Estando o Planeta a matar.

Por isso peço a Deus,
Na Sua sabedoria,
Ensine estes filhos Seus,
A viver em harmonia.

Aos corações dê amor,
Às mentes, sabedoria,
Alívio ao sofredor,
Bom viver no dia-a-dia.

Mas se o homem não mudar
E só p´ro mal, evoluir,
Faça este Mundo acabar,
Para um melhor, poder vir.

GENTIL DAMA
Esquecer-vos já não posso, gentil dama,
Que me deste sorriso, assim…tão doce,
Antes quisera eu, que tal não fosse,
Se só ausência dele, meu ser, reclama.

Amor, esse sorriso, à alma, trouxe,
E ao coração meu, ardente chama,
Nas veias já meu sangue, se inflama,
Em paixão, com sabor, tão agridoce.

Raiando-me na mente, a loucura;
Esse sorriso vosso me prendeu,
Tal como borboleta presa à teia.

Desse lindo sorriso, ando à procura,
Já nem me reconheço, nem sou eu,
É fogo, que meu corpo incendeia.

ONDE ESTÁS ABRIL
Os tempos desse Abril, já se esfumaram,
Dos cravos, capitães, da revolução,
Fascismo nunca mais, nunca mais, não!
Muitos milhares de vozes o gritaram.

Hoje o fascismo anda encapotado,
Finge não existir, mas está presente,
Com isso enganando muita gente,
De democrata, andando disfarçado.

E muitos pensarão, estar sepultado,
Está vivo, podem disso ter certeza
E em altos lugares, bem instalado,

Dando à vida de muitos, incerteza;
Com dinheiro, que a tantos foi roubado,
Infame!... Vai causando, mais pobreza!

DIA DE NATAL - António Gedeão























in MÁQUINA DE FOGO (Coimbra, Tip. da Atlântida Ed., 1961) Em 1967, o poema NOITE DE NATAL foi publicado no jornal dos estudantes do Liceu de Camões. 
O reitor mandou apreender esse jornal.

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes, a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu e as vozes crescem num fervor patético.
Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra - louvado seja o Senhor! - o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda~o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.